Cláusula de hardship: um respiro nas relações comerciais

Brasília, 22/4/2021

Economia em crise, empresas fechando e desemprego em massa, tudo isso acontecendo em razão da pandemia do COVID-19. O debate sobre caso fortuito e força maior, culminando em uma onerosidade excessiva dos contratos, ganha um novo capítulo com a situação que estamos passando.

Dentro dessa realidade e nesse tema, a cláusula de hardship pode ser uma opção para renegociar contratos e ajustes empresariais, de modo a definir alternativas privadas a serem tomadas na ocorrência de situações adversas, como uma pandemia, por exemplo. Tal cláusula surgiu nas práticas internacionais, justamente objetivando uniformizar o Direito Comercial Internacional durante a execução dos contratos pactuados.[1]

No direito contratual vige o princípio da conservação do contrato, bem como a máxima de intervenção mínima após sua formalização. Além disso, no direito empresarial, quando as partes contratantes são empresas, subentende-se a paridade de armas e a relação igualitária de ambas.

Todavia, existem hipóteses específicas e excepcionais que permitem afastar tais princípios, notadamente em situações estremadas, como é a força maior e o caso fortuito. A propósito, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) os define da seguinte forma:

Quanto às diferenças, de maneira breve e simples, podemos dizer que o caso fortuito é o evento que não se pode prever e que não podemos evitar. Já os casos de força maior seriam os fatos humanos ou naturais, que podem até ser previstos, mas da mesma maneira não podem ser impedidos; por exemplo, os fenômenos da natureza, tais como tempestades, furacões, raios, etc ou fatos humanos como guerras, revoluções, e outros.[2]

Assim, não é de hoje que se prevê em contratos sobre as responsabilidades das partes nas hipóteses de caso fortuito ou força maior. Porém, muitas vezes esses contratos não discutem soluções efetivas, mas apenas imputação de prejuízos e obrigações.

É exatamente nesse âmbito que a cláusula de hardship se justifica, pois as partes contratantes, por meio dela, buscam criar parâmetros de revisão do contrato, em situações de força maior ou caso fortuito. Exemplificativamente, podemos citar a instituição de um critério matemático (fórmula) de revisão de valores contratuais em vista de alteração significativa dos custos despendidos por uma das partes por escassez oriunda de uma pandemia.

A implementação dessa cláusula nos contratos é importante para evitar que essa parametrização seja elaborada por um terceiro (juiz ou árbitro), que não está no dia-a-dia da relação contratual e não conhece as reais necessidades das contratantes. A elaboração de métodos de revisão por estranhos à relação contratual aumenta a possibilidade de estipulação de critérios inviáveis, que acabam ocasionando a extinção dos instrumentos firmados. Logo, tendo sida incluída a cláusula de hardship, esses terceiros devem observar essa previsão, em razão do princípio da mínima intervenção nos contratos, conforme delimitado em julgado do TJDFT:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO DE CONHECIMENTO. RETIRADA DO NOME DO AUTOR DO CADASTRO DE MAUS PAGADORES. ABSTENÇÃO DE COBRANÇA DE ENCARGOS, MULTAS E JUROS. PRETENSÃO DE ISENÇÃO E/OU REDUÇÃO DO PAGAMENTO DE ALUGUEL PELO PERÍODO NECESSÁRIO AO DISTANCIAMENTO SOCIAL DIANTE DA COVID 19. FATO PÚBLICO E NOTÓRIO QUE ATINGE A TODOS. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE DE DIREITO. RECURSO IMPROVIDO. […] 4. A lei estabelece, nas relações contratuais privadas, os princípios da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual (Código Civil, artigo 421, parágrafo único, com redação alterada pela Lei de Liberdade Econômica – Lei 13.874/2019). 5. Nos casos de força maior ou caso fortuito o direito positivo apenas autoriza a parte a resolver o contrato (artigo 478, do Código Civil). (Acórdão 1275098, 07162397120208070000, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 19/8/2020, publicado no DJE: 31/8/2020. Pág.:  Sem Página Cadastrada.)

Além disso, critérios de revisão dos contratos, dentro do direito empresarial, são importantes para dar continuidade às relações comerciais, fomentando o ambiente empresarial e mitigando impactos negativos na economia. Em momentos como o que enfrentamos hoje, por exemplo, empresas poderiam adotar essa cláusula para renegociar a prestação de algumas parcelas e diferir seu pagamento em momento de maior estabilidade financeira.

De outro lado, é necessário também ponderar se a cláusula de hardship, utilizada no Direito Comercial Internacional, seria válida e, portanto, teria espaço no ordenamento jurídico brasileiro. Primeiramente, cumpre destacar que o direito empresarial permite a importação de cláusulas, de modo a melhor adequar o negócio contratado, eis que estamos diante da autonomia de vontades, em que aquilo que não é proibido, é permitido.

Ainda, após a promulgação da Lei de Liberdade Econômica, é possível entender que houve a incorporação legal da cláusula de hardship, mesmo que sem esta nomenclatura, porquanto ficou determinado que, dentro dos limites da função social do contrato, as partes têm a liberdade de contratar, inclusive, estabelecendo parâmetros objetivos para a sua revisão.[3] Diante disso, é plenamente possível e salutar a inclusão da referida cláusula nos contratos estipulados com base na legislação brasileira.

A discussão sobre a cláusula de hardship é necessária e capaz de auxiliar o equilíbrio das relações comerciais, já que a manutenção dos vínculos empresariais permite uma recuperação mais rápida da economia, sendo que os efeitos dessa cláusula dariam um respiro para as empresas, que poderiam manter os contratos, ainda que em situação distinta da original.

Portanto, na hora de negociar um contrato é importante delimitar os parâmetros de sua revisão.

 

[1] DE AQUINO, Leonardo Gomes. As particularidades conceituais da Cláusula de Hardship. Universidade Portucalense, Revista Jurídica, 15, 149-160. 2012. p. 149.

[2] Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Caso Fortuito e Força Maior. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/caso-fortuito-e-forca-maior. Acesso em: 19 de abr. de 2021.

[3]Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.” (NR)

“Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”

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