Começando um negócio: e agora, qual modalidade societária escolher?

Empreender exige boas doses de transpiração, inspiração, time bem entrosado e um modelo de negócios que efetivamente vise atender a uma dor do mercado. Então, produto validado, modelo de negócio tracionado e sócios integrados fazem uma receita de sucesso? Não necessariamente! A mão do Estado está longe de ser invisível e pode fazer um estrago bem grande para quem não estiver preparado.

Mas, qual a relação disso com o tipo societário que será eleito para o desenvolvimento de uma atividade empresarial? Bem, partindo de uma lógica simplista, que não foca na multidisciplinariedade, a resposta seria nenhuma! Porém, refletindo um pouco mais, qual seria a finalidade de existirem diferentes espécies de sociedades empresárias se não houvesse distinção entre elas? Uma velha máxima, apreendida pelos recém-ingressos em qualquer curso de Direito no país, pode ajudar a solucionar essa questão: a lei não contém palavras inúteis!

Analisando a realidade brasileira, dominada por duas figuras societárias, temos um estrondoso número de sociedades limitadas e uma parcela pequena de sociedades anônimas, isso porque está no senso comum que S.A. é um modelo complexo e que só pode ser utilizado por grandes corporações.

Contudo, não é bem assim! Inclusive, objetivando desmistificar essa compreensão, o Marco Legal para as Startups (PLP 146/19) traz a previsão da Sociedade Anônima Simplificada (SAS), visando permitir que negócios que estejam iniciando suas atividades possam se valer desse modelo societário. Inclusive, startups constituídas como SAS também poderão adotar o SIMPLES NACIONAL, o que hoje é vedado.

Logo, a modalidade societária repercute em aspectos fiscais e, via de consequência, a carga tributária incidente sobre o negócio. Todavia, não é só isso, existem outras diferenças importantes e necessárias de serem compreendidas quanto aos tipos societários existentes, inclusive para traçar a estratégia de longo prazo da empresa.

De forma resumida, podemos citar algumas distinções entre Sociedades Limitadas e Anônimas, dominantes no cenário nacional:

(i) Via de regra, em ambos os modelos, a responsabilidade dos sócios se dá no limite do capital subscrito, entretanto, nas limitadas, enquanto não houver a integralização total, a responsabilidade é de todos solidariamente. Ou seja, se a ideia for conceder um prazo para que um ou mais sócios integralizem o capital, todos respondem em conjunto pela quitação do saldo, ainda que depois se possa cobrar de quem inadimpliu;

(ii) Se houver integralização de capital com bens, a sociedade anônima exige laudo de avaliação, ao passo que na limitada basta simples declaração de valor emitida pelo sócio, embora pela exata estimação/valoração de bens todos os sócios respondam pelo prazo de cinco anos;

(iii) O controle absoluto nas limitadas exige um quórum de 75% (setenta e cinco por cento), já nas anônimas basta 50% (cinquenta por cento) mais um do total de ações com poder de voto;

(iv) Limitada com até dez sócios dispensa assembleia de sócios e suas formalidades, podendo ser substituída por uma reunião de quotistas, conforme regramento do contrato social, mas este deve ser explícito sobre as regras, caso contrário vigem normas do Código Civil sobre assembleias;

(v) Sociedade limitada conta com previsão legal de dissolução parcial, podendo um dos sócios pedir sua retirada se a sociedade for por prazo indeterminado. Já nas anônimas ainda se discute se seria cabível o pedido de retirada ante a ausência de explícita autorização normativa, tendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 419.174/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/05/2008, DJe 04/08/2008) construído a possibilidade de denúncia em caso de sociedade de caráter familiar;

(vi) A sociedade limitada admite distribuição desproporcional de lucros face ao capital social detido, ao passo que a anônima não. Além disso, a despeito dos diversos e contraditórios entendimentos já exarados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), ainda prevalece, na maioria dos julgados, a possibilidade de isenção de Imposto de Renda e não incidência de contribuição previdenciária sobre a distribuição desigual. Porém, é mais uma implicação tributária que se deve levar em consideração; e

(vii) Ainda sob o viés tributário, em caso emblemático analisado no ano de 2014, o CARF não admitiu reserva de ágio (contribuição do sócio que ultrapassa o valor nominal da participação detida) em sociedade limitada, apenas em sociedade anônima, onde existe expressa previsão da lei 6.404/76, sob a forma de reserva de capital. Este ponto, em especial, é determinante para admissão ou não de investidores, já que costumam aportar mais do que o valor correspondente ao percentual de capital que adquirem.

Assim sendo, é perceptível que a escolha do modelo societário necessita de um planejamento e visão global do negócio, considerando aspectos fiscais, societários e de mercado. Feito isso, basta escolher o modelo que melhor atenda, lembrando que não existe nenhum perfeito!

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