Brasília, 12/5/2021
Durante a confecção de um contrato existem cláusulas que merecem atenção maior, sendo que a sistemática da sua elaboração impacta sobre os custos de transação[1] da operação. Assim, as partes podem optar que o contrato tenha termos mais vagos (back-end) ou mais específicos (front-end), de modo que tal escolha refletirá na alocação de custos e riscos em momentos diferentes da contratação.
Em relação às cláusulas back-end, estas aplicam uma linguagem mais genérica, sem detalhamento claro e específico sobre formas de resolução de conflitos ou interpretações contratuais, o que é feito, normalmente, em litígio, por um terceiro (juiz/árbitro). As cláusulas back-end, portanto, apresentam menor custo de elaboração em uma fase (pré) contratual, pois não demandam tanta discussão e ajuste entre as Partes, já que se apegam a hipóteses gerais. Um exemplo de cláusula back-end são aquelas que apresentam em seu texto: “no seu melhor interesse”, “melhores esforços” e “de acordo com a boa-fé”.
No tocante às cláusulas front-end, as mesmas buscam especificar ao máximo eventos futuros e hipóteses contratuais, razão pela qual aumentam os custos de transação no período de elaboração do contrato. Ou seja, as partes buscam o maior volume possível de informações para os contratos, bem como estipulam parâmetros para solucionar de forma mais detalhada a inadimplência. Um exemplo de cláusula front-end é a cláusula de hardship, a qual já trabalhos em artigo diverso, tendo em vista que ela cria parâmetros contratuais para revisão do ajustado em eventos de força maior e caso fortuito, visando evitar intervenção de um terceiro.
Importante apontar que uma cláusula back-end não é aquela que é omissa nos seus termos, porém os descreve de forma abrangente, dando margem a interpretações e avaliações de um terceiro. Muitas vezes, uma cláusula back-end se justifica em razão de um contrato com prazo muito extenso, em que a parametrização de uma cláusula se torna muito difícil ou até impossível.
De toda forma, é possível criar um contrato misto, com cláusulas back-end e front-end, tendo em vista que, dependendo de certa negociação, as partes contratantes podem adquirir em certo aspecto informações necessárias para parametrizar os termos de uma cláusula (front-end), mas em outros isso se torna inviável diante da imprevisibilidade do mercado em que inserida a relação contratual, por exemplo.
Tendo em vista estas premissas, quais aspectos mais críticos de um contrato poderiam se beneficiar dessa abordagem? Inicialmente, entendemos que cinco temas podem, diretamente, ser atingidos: (i) objeto; (ii) valor/preço e pagamento; (iii) responsabilidade, declaração e indenização; (iv) prazo de duração contratual; (v) cláusulas resolutivas e extintivas.
O objeto do contrato, ou seja, o que se pretende com a contratação, deve restar bem claro e preciso, justificando-se assim o aumento dos custos de transação na discussão da cláusula a fim de alinhar expectativas das contratantes. A delimitação do objeto é muito importante para evitar dupla interpretação ou litígios desnecessários. É possível observar o problema de um objeto contratual não definido com precisão no caso “Frigaliment”:
o comprador, B.N.S. International Sales Corp., empresa norte-americana com sede em Nova Iorque, celebrou contrato de venda e compra com a empresa suíça Frigaliment Importing Co. e aceitou receber a mercadoria (frango congelado). Apenas posteriormente, ao perceber que a mercadoria não atendia ao que era pretendido, processou o vendedor por vendê-lo frango “fowl” “(frango de menor qualidade e idade avançada) em vez de frango “broiler” (frango de alta qualidade). O vendedor alegou que o termo “frango” no contrato incluía todos os tipos de carne de frango, enquanto o comprador sustentou que significava apenas frango “broiler”, de alta qualidade.[2]
Como não houve a especificação do item, o Juiz da causa deu razão ao vendedor, visto que este não deveria fornecer somente frango de maior qualidade. Assim, a não ser que o objeto seja, de fato, vago, recomenda-se a utilização de uma cláusula front-end.
No tocante ao segundo item, o valor/preço é elemento essencial do contrato, devendo ser detalhada a lógica de implementação e realização ao longo do tempo, tendo em vista que a não inclusão poderá deixar a questão ao livre-arbítrio das partes, bem como poderá abrir brecha para o não cumprimento do contrato, surgindo uma possível alegação de exceção do contrato não cumprido, ou seja, se uma parte não honrou com a sua obrigação, a outra também resta dispensada.
Em relação à responsabilidade, declaração e indenização, esta cláusula deverá indicar o que cada parte deve entregar no contrato, bem como as consequências dessa não entrega. Aqui podemos, inclusive, abordar uma cláusula mista (front-end e back-end), tendo em vista que algumas responsabilidades e declarações não podem ser garantidas com tanta especificidade, tornando necessário deixá-las mais amplas.
O prazo de duração do contrato, por sua vez, poderá ser tanto back-end ou front-end. Como cláusula back-end pode haver a estipulação de que o contrato durará “enquanto estiver sendo prestado o serviço”. Como front-end o contrato terá um prazo específico, por exemplo, três anos.
Sobre a extinção e resolução do contrato, tal cláusula deve ser abordada com atenção, de preferência utilizando-se uma cláusula front-end, tendo em vista o princípio da preservação dos contratos, que dispõe que, preferencialmente, os contratos devem ser mantidos, de modo a ser entendida a resolução e a extinção como exceção. Assim, uma cláusula vaga poderia permitir a atuação irregular de uma das partes ou a aplicação diferente da imaginada por um terceiro (juiz/árbitro), não se comunicando com as responsabilidades e declarações prestadas.
Diante disso, é necessário que as contratantes tenham clareza dos custos e fatores envolvidos em uma negociação, sendo o design contratual fruto de como as partes pretendem lidar com as especificidades e problemas dessa relação, bem como do momento que resolvem assumir maiores ônus decorrentes dos custos de transação.
[1] Isto é, os custos necessários à negociação, efetivação e garantia de cumprimento do contrato.
[2] BOLIVAR, Analluza Bravo. A teoria do “design” contratual: sua aplicabilidade face às regras de interpretação do contrato no brasil. Revista de Direito Empresarial | vol. 18/2016 | p. 123 – 149 | Set / 2016. p. 129.